Responde
consulta da Representante Legal do CEMP - Centro Educacional Marapendi,
localizado no Município do Rio de Janeiro, a respeito da Resolução CNE nº
06/2010.
HISTÓRICO
A
Professora Angela Mendes Leite, representante legal do CEMPCentro Educacional
Marapendi, consulta este Colegiado sobre a vigência da Resolução nº 6/2010 do
Conselho Nacional de Educação, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro.
Registra
“que a maioria das Escolas que praticam o condenado “Vestibulinho” e que acabam
servindo de parâmetro para as demais, este ano utilizou-se do § 2º do art. 3º
da Resolução CNE nº 6/2010 para seu processo seletivo, a saber:
“§ 2º Os
sistemas de ensino poderão, em caráter excepcional, no ano de 2011, dar
prosseguimento para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos às crianças de 5
(cinco) anos de idade, independentemente do mês do seu aniversário de 6 (seis)
anos, que no seu percurso educacional estiveram matriculadas e freqüentaram,
até o final de 2010, por 2 (dois) anos ou mais a Pré-Escola”.
Finaliza,
solicitando deste Conselho um Parecer Normativo, para “pacificar e unificar a
idade para o ingresso dos alunos no Ensino Fundamental em nosso Estado”.
DO MÉRITO
As
constantes mudanças na legislação e as decisões judiciais a respeito de
matrícula de alunos de seis anos de idade, no 1° ano do Ensino Fundamental de
nove anos, têm causado muitas dúvidas e consultas em relação à aplicabilidade
dos dispositivos legais pertinentes ao assunto.
Considerando
as Leis, Decisões Judiciais e os Pareceres abaixo descritos:
- Lei
Federal n° 11.114/2005, que tornou obrigatório o início do Ensino Fundamental
aos seis anos de idade;
- Lei
Federal n° 11.274/2006, que dispõe sobre o Ensino Fundamental
com duração
de nove anos;
-
Deliberação CEE nº 299/2006, que Fixa normas para o funcionamento do Ensino
Fundamental, tendo em vista a Lei nº 11.274/2006;
-
Deliberação CEE nº 308/2007, que Altera normas para o funcionamento do Ensino
Fundamental, tendo em vista a Emenda Constitucional n° 53, de 19 de dezembro de
2006 e revoga Deliberação CEE nº 299/2006;
-
Deferimento de Liminar nos autos da Ação Civil Pública promovida pelo
Ministério Público, na comarca de Campos dos Goytacazes (Processo
2009/014.009941-0), que determina a imediata matrícula dos alunos no Ensino
Fundamental, que ainda estejam por completar seis anos de idade, sempre que
apresentarem laudo técnico indicativo de possuírem capacidade para início dos
estudos no 1° ano do Ensino Fundamental;
- Lei
Estadual n° 5.488/2009, que permite a matrícula de aluno no 1° ano do Ensino
Fundamental, que completar seis anos até 31 de dezembro do ano em curso;
- Resolução
nº 6/2010, que determina que para o ingresso no primeiro ano do Ensino
Fundamental a criança deverá ter idade de 6 (seis) anos até o dia 31 de março
do ano em que ocorrer a matrícula;
-
Deferimento de Liminar, nos Autos da Ação de Obrigação de Não Fazer, formulada
pelo Sinepe Campos, em face do Município de Campos dos Goytacazes (Processo 0040615-39-2010.8.19.0014),
que tramita perante a Vara da Infância e Juventude, da Comarca de Campos dos
Goytacazes, determinando que o Município abstenha-se de fazer qualquer vedação
de matrícula de criança, na Educação Infantil e/ou Ensino Fundamental, inclusive
com referência à idade cronológica, devendo ser observada a Lei Estadual nº
5.488/2009.
Este
Conselho presta os seguintes esclarecimentos.
Trata-se de
importante tema a ser amplamente debatido e aprofundado, conforme os argumentos
a seguir expostos.
Primeiramente,
cabe esclarecer que a Lei Estadual nº 5.488, de 22 de junho de 2009, em seu
art. 1º dispõe: “Terá direito à matrícula no 1º ano do Ensino Fundamental de
nove anos a criança que completar seis anos até o dia 31 de dezembro do ano em
curso”.
Assim, por
tratar-se de Lei Ordinária Estadual e, portanto, hierarquicamente superior à
Deliberação deste Conselho e, ainda, por regular a mesma matéria que a
Deliberação CEE nº 308 trata em seu art. 2º e parágrafo único, o Relator
entendo que houve a revogação tácita do artigo 2º e parágrafo único da referida
Deliberação 308/2007, por Lei Estadual posterior, a qual passa a disciplinar,
em nosso Sistema de Ensino, a questão do ingresso no Ensino Fundamental com
duração de nove anos.
Em 21 de
outubro de 2010, foi publicado no Diário Oficial da União Resolução nº 6,
expedida pelo Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica,
estabelecendo em seu artigo 3º que, para o ingresso no primeiro ano do Ensino
Fundamental, a criança deverá ter idade de 6 (seis) anos até o dia 31 de março
do ano em que ocorrer a matrícula, o que trouxe maiores conflitos.
No entanto,
apesar de ser favorável à Lei Estadual 5.488/2009, que dá plena liberdade aos
estabelecimentos de ensino, o Relator entende que alguns pontos devem ser
esclarecidos.
Muito já se
falou neste Colegiado a respeito da incongruência de atos normativos emitidos
por Sistemas de Ensino, que insistem em colocar uma data específica para o
chamado vulgarmente “corte” para o ingresso de aluno no Ensino Fundamental, ou
seja, excluindo-os desta etapa de ensino.
Nesse
sentido, é de conhecimento deste Colegiado a posição contrária do Relator em
relação à citada Deliberação CEE nº 308/2009 e à Resolução CNE nº 6/2010.
Uma
Deliberação ou uma Resolução, que determina uma data para que as crianças que
completarem seis anos de idade ingressem no 1º ano do Ensino Fundamental, sem
considerar a maturidade cognitiva necessária, estaria estagnando o processo de
ensino, aprendizagem e desenvolvimento da criança, que não aniversariasse na
data prevista pelos membros do Conselho Nacional de Educação, sendo a mesma
impedida de progredir no seu desenvolvimento cognitivo.
Sob este
aspecto algumas questões merecem ser ressaltadas:
Levando-se
em consideração que a data do início do ano letivo varia entre os
estabelecimentos de ensino, uma criança que completa seis anos de idade no
início do ano letivo é diferente daquela que completa seis anos no dia
seguinte?
É a idade
que deve permitir o ingresso da criança no 1º ano do Ensino Fundamental, mesmo
havendo permissão legal para que os estabelecimentos de ensino organizem-se em
séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regulares de período de
estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios
ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo
aprendizagem assim o recomendar?
Quem
garante que uma criança com seis anos completos está em melhores condições que
outra que completará a idade em data próxima?
O certo é
que a criança que cursou todas as etapas da Educação Infantil e não tenha,
ainda, seis anos de idade completos para ingressar no 1º ano do Ensino
Fundamental, deve o estabelecimento de ensino, mediante avaliação diagnóstica,
feita pela equipe pedagógica da instituição de ensino, decidir se o aluno
apresenta maturidade ou não para iniciar o processo de alfabetização, pois o
ano escolar que a criança irá cursar depende do seu desenvolvimento e não
exclusivamente da idade.
A Lei, em
contrapartida, deixa em aberto a questão referente às crianças que cursaram a
Educação Infantil, e se encontram alfabetizadas, independentemente da idade, a
ingressar, por exemplo, no 2º ano do Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, uma
vez que a matrícula no 1º ano obrigaria a repetição de todo o conteúdo visto no
ano anterior, desestimulando o aprendizado, trazendo prejuízo para o
desenvolvimento cognitivo e emocional do educando.
Diante
desta hipótese, o Relator posiciona-se no sentido da discordar da questão ora
levantada, pois tal prática ensejaria a redução dos objetivos a serem
alcançados pelo Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, que é o aumento dos anos
de escolaridade da população brasileira.
Com base no
Regimento Escolar e na Proposta Pedagógica, a escola tem liberdade de
matricular o aluno no ano escolar em que a criança tiver condições de cursar,
tendo por base o trabalho diagnóstico da equipe pedagógica, anteriormente
aplicado.
Embora o
Sistema de Ensino seja livre para estabelecer a data limite para que as
crianças de seis anos de idade ingressem no Ensino Fundamental com nove anos de
duração, deve, com base na legislação pertinente, no bom senso, no
não-retrocesso do aluno e na valorização do conhecimento, evitar determinar uma
“data de corte” e, sim, possibilitar que a criança seja avaliada pela
instituição de ensino de destino e, se a mesma apresentar condições de
ingressar no ano inicial do Ensino Fundamental, seja nele matriculada.
Do ponto de
vista constitucional a referida Resolução do CNE impõe, a entes da Federação e
a instituições de ensino obrigações, além de restringir direitos dos menores de
dar continuidade a sua aprendizagem, quando sabido que, pelo art. 5º, II da
Constituição Federal de 1988, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”.
Ressalta-se
que a Resolução n° 06/2010 do CNE, por não se constituir em lei em sentido
formal e material, tratando-se de ato administrativo normativo, isto é, comando
geral emanado do Poder Executivo com o objetivo de facilitar a compreensão e
execução da lei, assim considerada infra legem, deve estar subordinada a alguma
legislação, em sentido estrito, o que não ocorre no presente caso, ocasionando
em ofensa ao princípio da legalidade.
Por não se
tratar de lei e sim de ato administrativo, sendo classificada como fonte
secundária, estando abaixo na cadeia hierárquica normativa, não tem o poder de
conferir, muito menos retirar direito de alguém.
Como dito,
a matéria, ora em análise, não encontra regulamentação em lei federal e segundo
a Constituição Federal, mais precisamente em seu art. 24, IX, compete
concorrentemente à União, Estado e Município legislar sobre educação. Assim,
inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência
legislativa plena.
O Estado do
Rio de Janeiro, utilizando-se da competência legislativa conferida pela Carta
Magna e seguindo o art. 208, IV, que prescreve a garantia de atendimento para o
ensino infantil até cinco anos, editou a Lei Estadual nº 5.488/2009, a qual
deve prevalecer, eis que, trata-se de Lei Ordinária, repisa-se,
hierarquicamente superior a qualquer ato administrativo normativo.
Sob a visão
legal, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que “Estabelece as Diretrizes
e Bases da Educação Nacional”, permite que a instituição de ensino, em
conformidade com a sua Proposta Pedagógica, por meio de avaliação diagnóstica,
estabeleça para o aluno a classe adequada que o mesmo deverá cursar.
A
Constituição Federal não estabelece limite de idade para que a criança possa
ingressar no primeiro ano do Ensino Fundamental, fazendo alusão à idade em seu
artigo 208, apenas, no inciso IV quando estabelece: “Educação Infantil, em
creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”.
Sob esta
ótica, tanto no texto constitucional quanto no texto da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, o Ensino Fundamental inicia- se aos seis anos, e
nada mais.
O Estado,
ao publicar as Deliberações CEE/RJ nº 299 e CEE/RJ nº 308, assim como o Conselho
Nacional de Educação ao publicar a Resolução nº 06/2010, criam limitações
inexistentes nas Leis hierarquicamente superiores.
E, também
não considerou o que tanto o art. 208, inciso V da Constituição Federal, quanto
o art. 54, inciso V do Estatuto da Criança e Adolescente prescrevem: ser
obrigação do Estado o “acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e
da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.
Diante
disso, pergunta-se: caso a criança tenha maturidade e prontidão, seria razoável
mantê-la na Educação Infantil ao invés de progredir para a etapa superior?
Se o
legislador estipulou o início do Ensino Fundamental aos seis anos de idade, foi
porque entendeu que com tal idade a criança detinha condições para tanto, logo,
pretendeu que o maior número de crianças com esta idade pudesse ingressar no 1º
ano do Ensino Fundamental com 9 (nove) anos de duração. E, ao estipular a “data
de corte”, o Sistema de Ensino fez exatamente ao contrário: retirou dessa etapa
de ensino a maioria das crianças, pois, segundo a experiência deste Relator
frente à educação há trinta anos, apenas uma pequena parte das crianças
completa seis anos no início do ano letivo.
Desse modo,
fazendo uma interpretação sistemática de toda a legislação e dos argumentos
aqui expostos, podemos concluir que toda criança com seis anos de idade,
independente da data de seu aniversário, tem o direito público subjetivo de
ingressar no Ensino Fundamental (art. 6º da Constituição Federal), sem sofrer qualquer
tipo de discriminação por critério de idade (art. 3º, I da Constituição
Federal), com base na sua prontidão e no desenvolvimento cognitivo e não na
idade cronológica (art. 208, V da Constituição Federal), sendo assegurada a
liberdade de ensino e aprendizado (art. 206, II da Constituição Federal), sob
pena de gritante violação do princípio da isonomia (art. 206, I, c/c o art. 5º,
caput da Constituição Federal).
Apesar de a
Lei Estadual nº 5.488/2009 consagrar a liberdade e autonomia das instituições
de ensino, e de considerar a prontidão e desenvolvimento cognitivo da criança
elemento fundamental para definir o ingresso ou não no Ensino Fundamental,
entendemos que a entrada nessa segunda etapa da Educação Básica deve se dar de
forma responsável.
A autonomia
de cada instituição ou Sistema de Ensino em definir a sua “data de corte” é
inquestionável.
Porém, isso
significa que o estabelecimento de ensino deve buscar mecanismos de avaliação
para diagnosticar a prontidão do aluno e, somente após proceder com esse
critério, terá fundamento para situá-lo, adequadamente, na etapa respectiva.
Esta é, sem
dúvida, a melhor interpretação a ser dada à Lei Estadual nº 5.488/2009, que
trouxe, sim, plena liberdade, mas que deve ser efetivada com a responsabilidade
de não se queimar etapas.
Ressalte-se
que tal responsabilidade deve ser exercida não só por parte da escola, que tem
o dever de avaliar, como também por parte das famílias, que devem ter a
consciência de que a Proposta Pedagógica da instituição de ensino escolhida
deve ser respeitada.
A Proposta
Pedagógica de cada instituição de ensino deve definir os critérios a serem
adotados para avaliar o aluno em sua maturidade, prontidão e desenvolvimento
para que, só após isto, o mesmo seja devidamente matriculado no ano inicial
daquele estabelecimento de ensino.
Dessa
forma, a avaliação do aluno deve ser uma opção da escola que o recebe,
analisando todos os aspectos pedagógicos especificamente estipulados em sua
política e filosofia de ensino.
Por fim,
mas não menos importante, cabe salientar que a avaliação do aluno com seis anos
incompletos jamais deve ter cunho seletivo, mas tão somente diagnóstico
evitando-se sobremaneira os ditos “vestibulinhos”.
VOTO DO RELATOR
Diante da
longa exposição acima, o Relator, que sugeriu anteriormente a reformulação da
Deliberação CEE nº 308/2009, mais uma vez, ratifica sua posição favorável à Lei
Estadual nº 5.488/2009 e contrária à Resolução nº 06/2010 do CNE. Desta forma,
espera ter contribuído para a reflexão a respeito da interpretação e da efetiva
validade da citada Lei Estadual que vigora em nosso ordenamento, garantindo o direito
público subjetivo das crianças que ingressam no Ensino Fundamental, amparada
nos princípios da razoabilidade, da igualdade e da isonomia, bem como na
essência da Legislação Federal e Constitucional, sendo obedecida a hierarquia
normativa.
Em face do
exposto, o Relator reafirma sua opinião pela autonomia de cada Sistema de
Ensino ou instituição escolar, de acordo com seu Regimento Escolar e sua
Proposta Pedagógica, de estabelecer os critérios para que seja admitida a
matrícula, no primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos, de alunos com
seis anos completos ou a completar no decorrer do ano letivo. Este entendimento
já foi anteriormente firmado por este Conselho, através do Parecer Normativo CEE
nº 129/2009, de autoria deste Relator, que presta esclarecimentos sobre o mesmo
assunto, homologado em 07/04/2010 e publicado no Diário Oficial do Rio de
Janeiro de 14/04/2010.
PROCESSO Nº E-03/200.487/2011
INTERRESSADO: CEMP - CENTRO
EDUCACIONAL MARAPENDI LTDA
CONCLUSÃO DA COMISSÃO
A Comissão Permanente de
Legislação e Normas acompanha o voto do Relator.
Rio de Janeiro, 05 de abril de
2011.
Nival Nunes de Almeida -
Presidente
Luiz Henrique Mansur barbosa
- Relator
Antonio Rodrigues da Silva
José Carlos Mendes Martins
Maria Luíza Guimarães
Marques
CONCLUSÃO DO PLENÁRIO
O presente Parecer foi
aprovado, por maioria, com abstenção de voto da Conselheira Angela Mendes
Leite.
SALA DAS SESSÕES
Rio de Janeiro, em 12 de
abril de 2011.
Paulo Alcântara Gomes
Presidente
Publicado no Diário Oficial
de 05 dez 2011, Poder Executivo, Págs. 11 e 12.
Disponível na íntegra em:
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